Nesta matéria falaremos sobre os efeitos da calagem no solo e sobre seu papel chave na disponibilidade de nutrientes para plantas em solos tropicais, como os do Brasil.
Operação de calagem
A operação de calagem, é conhecida em todos os setores da agropecuária brasileira e consiste na aplicação de calcário no solo, na quantidade determinada de acordo com a análise química e com a cultura a ser implantada, adotada tanto nos sistemas convencionais quanto nos sistemas com práticas voltadas à conservação do solo, como o Sistema de Cultivo Mínimo e do Sistema de Plantio Direto, mais adequados para os solos tropicais.
Os corretivos da acidez do solo mais utilizados no Brasil são as rochas calcárias moídas, chamados simplesmente de “calcários”, classificados, de acordo com a concentração de MgO, em calcíticos (menos de 5%), magnesianos (5 a 12%) e dolomíticos (acima de 12%). Também existem os calcários calcinados. Quanto à granulometria, a legislação exige que pelo menos, 95% do material corretivo passe em peneira de 2 mm (ABNT n.º 10), 70% em peneira de 0,84 mm (ABNT n.º 20) e 50% em peneira de 0,30 mm (ABNT n.º 50).
Calagem serve apenas para diminuir a acidez do solo?
Os objetivos principais são evidenciar a fertilidade do solo elevando a saturação por bases e regulando a acidez no ponto em que ocorre a maior disponibilidade dos nutrientes requeridos pela cultura. Mas outros benefícios também são proporcionados, como o fornecimento de cálcio e magnésio, redução do efeito fitotóxico do alumínio, comum nos solos brasileiros.
Mas vamos apresentar melhor cada um dos mecanismos por trás da fertilidade dos solos e sua correção.
Cada nutriente tem um papel específico na planta:
Alguns exemplos são:
- Cálcio tem função estrutural na planta, fazendo parte da composição da parede celular, no crescimento das raizes e na redução da fitotoxicidade do alumínio
- Magnésio: fundamental na fotossíntese, sendo átomo central da clorofila, e na eficiência dos processos metabólicos
- Enxofre: Controle hormonal, formação de aminoácidos, além de auxiliar na defesa contra pragas e doenças
Uma analogia para entendermos a dinâmica dos nutrientes do solo
Podemos comparar essa dinâmica a um guarda-roupas com cabides pendurados nele, sendo o guarda-roupas uma partícula de solo (areia, silte ou argila); o número total de cabides seria a Capacidade de Troca Catiônica total (CTC); as roupas novas presas aos cabides seriam a Saturação por Bases (nutrientes como cálcio, potássio e magnésio) e as roupas velhas seriam a Saturação por Alumínio e Hidrogênio (tóxicos às culturas).
Vamos considerar também que roupas, velhas ou novas, quando estão nos cabides, representam os cátions adsorvidos pelas cargas negativas do solo e quando não estão no cabide representam os cátions na Solução do Solo.
A Capacidade de Troca Catiônica total mede o poder do solo (que possui cargas negativas) em armazenar cátions. O valor da CTC pode variar muito de acordo com o tipo de solo, sendo afetado principalmente pelo tamanho predominante de partículas do solo. As partículas são classificadas em 3 grupos, de acordo com seu tamanho: Areia, silte e argila. A fração areia corresponde às maiores partículas, silte são de tamanho intermediário e argila a menor fração do solo.
Quanto menor o diâmetro da partícula, mais cargas negativas expostas para reagir com os cátions. Ou seja, a fração argila possui uma CTC muito maior do que a fração areia. Isso acontece pois, até chegar ao tamanho de argila, a partícula foi desgastada por diversas ações de intemperismos e por isso está mais desgastado por reações químicas, físicas e biológicas tendo muitos pontos de ruptura na sua estrutura física expondo uma grande quantidade de terminações com cargas negativas.
Na analogia com o guarda-roupas, solos com maiores teores de argila possuem muito mais cabides do que solos com maior proporção de areia, podendo armazenar muito mais roupas.
Então quanto maior a CTC do meu solo, melhor? Depende!
É provável que você já tenha percebido que quanto maior a CTC de um solo, mais potencial produtivo ele possui, pois ele pode armazenar mais nutrientes já que possui mais “cabides” do que solos com baixa CTC.
Existe outra implicação crítica sobre diferenças de CTC entre diferentes solos: como a CTC é diretamente influenciada pela textura do solo, pouco pode ser feito pelo empresário para obter um aumento significativo neste valor, sendo o aumento da matéria orgânica o caminho mais eficiente para este objetivo. Logo um baixo valor de CTC pode ser um fator limitante da atividade, dependendo o desempenho produtivo que a cultura exige e um valor elevado permite uma gama maior de oportunidades de uso.
Mas sabemos que tudo na agricultura e relativo e tudo é bem equilibrado, existindo consequências positivas ou não tão positivas assim para alta CTC. Um solo com elevada CTC mas que esteja com uma elevada saturação por alumínio e hidrogênio vai demandar uma quantidade de calcário mais elevada e mais difícil será controlar sua acidez e reduzir a toxicidade do alumínio.
A ferida e o remédio
Devido a composição mineralógica dos solos do Brasil, as terminações com cargas negativas livres são hidroxilas (OH–) com alta afinidade química pelos cátions. As partículas de argila em conjunto com as de matéria orgânica formam os colóides do solo, sendo este complexo o responsável pelas cargas negativas do solo. Portanto, são os colóides do solo, a porção responsável por armazenar os nutrientes aplicados na adubação para atender as necessidades da cultura.
Porém, a mesma afinidade que os coloides do solo tem pelos nutrientes, também tem pelo alumínio e pelo hidrogênio nas sua forma iônicas ( Al+3 e H+), sendo que quanto maior saturação das vagas disponíveis no solo por hidrogênio, maior é a acidez do solo e quanto maior a saturação por alumínio.
Solos com baixa saturação por bases não possuem capacidade de reter os nutrientes aplicados via adubação resultando em produtividades muito abaixo do potencial, já que as possíveis ligações com nutrientes estão ocupadas por átomos de alumínio ou hidrogênio. Além de possuir baixo potencial nutritivo a presença elevada de hidrogênio afeta a disponibilidade de todos os macro e micronutrientes além de provocar aumento da presença de alumínio adsorvido, sendo este um elemento tóxico para as plantas.
Mas isso não é o fim. A calagem é a correção ideal para este tipo de problema. Por meio da aplicação de calcário é possível substituir os átomos de hidrogênio e alumínio adsorvido no colóide do solo por bases trocáveis, que servem como nutriente para as plantas. Quanto mais cálcio, magnésio e potássio adsorvido, menos alumínio e nitrogênio tenho e a fertilidade deste solo passa a aumentar.
Análise de solo e a diferença entre “jogar” e “aplicar” o calcário
“Jogar” calcário não é o mesmo que aplicá-lo. O retorno econômico é máximo quando é realizada a devida aplicação, que consiste em fornecer a quantidade necessária para obter a saturação por bases exigida pela cultura, e a disponibilidade máxima de nutrientes sendo este valor calculado com base na análise de solo.
Os resultados são otimizados quando o empresário agrícola adere tecnologias de aplicação mais precisas como a aplicação de calcário em taxa variada, pois além de reduzir os custos com insumos, consegue atender as necessidades de correção de modo mais específico, garantindo uma fertilidade homogênea em toda a área produtiva.
A análise de solo é a forma mais eficiente para o empresário agrícola garantir o máximo desempenho de seu principal capital ativo e deve ser repetida em intervalos que podem variar de um a vários anos, dependendo da intensidade da adubação, do número de culturas de ciclo curto consecutivas ou do estágio de desenvolvimento de culturas perenes.
De forma geral, convém amostrar com maior frequência culturas que recebem maiores aplicações de adubos.
As amostras devem ser retiradas vários meses antes do plantio, no caso de culturas temporárias, já que diversas providências dependem do resultado da análise de solo. Também é conveniente retirar amostras antes da aração para permitir a aplicação de calcário antes dessa operação. No caso de culturas perenes, a amostragem deve ser feita, de preferência, no final da estação chuvosa.
As determinações básicas nas análises de solo são: a matéria orgânica, o pH em cloreto de cálcio, o fósforo extraído do solo com resina trocadora de íons, os teores trocáveis de cálcio, magnésio e potássio e a acidez total a pH 7. Os valores calculados são a soma de bases, a capacidade de troca de cátions e a saturação por bases.
A recomendação de calagem passou a ser feita visando a elevação da saturação por bases dos solos a valores variáveis por culturas. Incluindo-se as determinações de enxofre, boro, cobre, ferro, manganês e zinco, para amostras da camada arável do solo, e argila e alumínio trocável para amostras do subsolo.
Além disso, passa a ser usada a análise foliar para muitas culturas, incluindo todos os macronutrientes e os micronutrientes boro, cobre, ferro, manganês e zinco. Todos os resultados de análises de solo e de plantas apresentam-se no Sistema lnternacional de Unidades.
E se eu adubar sem fazer a calagem?
Realizar adubação sem anteriormente ter realizado a correção do solo é um erro que pode resultar na perda de todo investimento feito em adubação e frustrar a expectativa de produção esperada.
Como dito a cima, os nutrientes disputam espaço no colóide do solo com os elementos tóxicos como o alumínio e o hidrogênio. Se for aplicado adubo mas o solo não tiver cargas elétricas disponíveis para adsorve-lo, os nutrientes serão perdidos e as plantas não vão se beneficiar da sua presença.
É importante entender que a produtividade esperada não é função apenas das doses aplicadas de fertilizantes, dependendo de diversos fatores, tais como solo, potencial genético da planta cultivada, condições climáticas durante o ciclo da cultura e o manejo, incluindo neste o controle de pragas, moléstias e plantas daninhas e o fornecimento ou não de água de irrigação.
A definição de uma determinada produtividade esperada deve levar em conta, sempre que houver informações, as colheitas passadas dos últimos anos. Assim, a meta de produtividade esperada deve ser colocada entre a média dos últimos anos e a maior produtividade obtida. Dessa maneira, garante-se o suprimento adequado de nutrientes para produções crescentes. Se as metas de produtividade esperada forem senão atingidas, convém aumentá-las para as colheitas seguintes.
O solo é o principal meio de produção de uma empresa agrícola e merece ser tratado como tal
Agora que já conhecemos os termos técnicos dos fatores que influenciam a fertilidade dos solos podemos lançar uma visão mais aprofundada sobre a importância dos solos para a empresa agrícola.
Os cultivos em geral são realizados no solo. Quando bem manejado o solo passa a proporcionar nutrientes de forma equilibrada e estrutura física adequada para o desenvolvimento das plantas. Isso ocorre desde o cultivo de pastagens ao de florestas. Porém alcançar este estado ideal, em muitos casos, requer anos consecutivos de manejo, muitas técnicas e muito investimento.
Os custos com a operação de calagem giram em torno de 5% do Custo Operacional Efetivo (COE), representando um investimento baixo porém com resultado fundamental para agricultura de alto desempenho.
Atingir a disponibilidade máxima de nutrientes no solo é crucial para aumentar a taxa interna de retorno (TIR) de um investimento agrícola, sendo que quanto maior a TIR, mais valorizado é o capital investido em relação à outras formas de investimento como a poupança, por exemplo.
Lembrando que atingir a disponibilidade máxima de nutrientes não é sinônimo de obter a produtividade máxima, mas funciona como alicerce da produtividade que se deseja obter. A decisão da produtividade deve ser tomada visando o máximo de retorno econômico, o que não implica, necessariamente, em obter a produtividade máxima e leva em conta o ponto ótimo de investimento considerando os fatores: quantidade de adubo x receita líquida.
Bibliografia: Boletim Técnico No 100. Recomendação de Adubação e Calagem Para o Estado de São Paulo. Instituto Agronômico de Campinas.
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